sábado, 1 de novembro de 2008

Uma vida dedicada à SOLIDARIEDADE


Aqui vos deixo um pouco da história de uma mulher que dedicou toda a sua vida aos outros =)
IN MEMORIAM Irmã Emmanuelle (1908-2008), de José Cutileiro em expresso.pt:

Irmã Emmanuelle (1908-2008)

8:00 | Segunda-feira, 27 de Out de 2008


A Irmã Emmanuelle, como passara a chamar-se quando, aos sessenta e dois anos, fora viver em Ezbet el-Nakhl, bairro de lata de trapeiros do Cairo, depois de ter sido Madre Emannuelle desde que entrara na congregação de Nossa Senhora do Sião em Maio de 1931, ensinando sucessivamente em colégios de raparigas católicas de Istambul, Tunis e Alexandria, nascida Geneviève Cinquin em Bruxelas, que morreu de velhice na passada noite de domingo para segunda numa casa de recolhimento da sua Ordem no Sul de França, foi católica por vocação, belga de mãe e de nascimento, egípcia de passaporte honorário e francesa de pai, de passaporte e de tudo o resto.

Havia nela um gosto rabelaisiano da vida, uma alegria enérgica, uma franqueza lapidar de expressão, um humor certeiro e um sentido de missão sem pompa e sem hipocrisia que a tornaram querida da França e do mundo francófono quando começou a bater-se contra a miséria dos trapeiros do Cairo e, depois, de mais desgraçados em outros lugares do mundo. Com sentido político apurado, embora dissesse que dessas coisas não percebia nada e que não era nem de esquerda nem de direita; com talento superlativo de comunicação, como peixe na água diante das câmaras de televisão; experiente de quarenta anos de ensino e carregando sem esforço bagagem filosófica e teológica considerável, sabia como falar aos seus compatriotas. Dizia - e assim chamou a um dos seus livros - "O paraíso são os outros", farpa metida a Jean-Paul Sartre, de cuja notoriedade fazia parte ter escrito que o inferno eram os outros. Começou uma vez uma entrevista perguntando ao jornalista: "Podemos falar de homem para homem?" No gabinete de Jean-Pierre Rafarin, quando este era primeiro-ministro de Chirac, perguntou-lhe: "Quanto é que ganhas?" (tratava toda a gente por tu) - e quando ele respondeu que não sabia ao certo mandou-o ir buscar a folha de pagamento para depois comparar a situação do inquilino de Matignon com a da gente cuja sorte ela queria ver melhorada. A quem lhe dizia que era revolucionária, respondia que era revoltada. Transbordava bondade inteligente e simpatia divertida e era telegénica. Em Agosto deste ano, em inquérito promovido por um jornal parisiense, vinha em sexto lugar na preferência dos franceses, à frente de Carla Bruni, Gérard Depardieu e Thierry Henry.

No Cairo, onde viveu, até a ordem a repatriar em 1993, num tugúrio como os dos outros, a sua acção incansável e exigente levou a progressos inéditos de educação, saúde, urbanismo, respeito pelos trapeiros e relações entre gente de fés diferentes. A todos acudia por igual sem sombra de proselitismo. Nunca tentou converter um muçulmano, nem atendia quem lhe pedisse instrução para se converter. A sua acção no bairro não era confessional. Melhorou muitas vidas, sobretudo de mulheres. Horrorizada por ver raparigas, entregues aos doze anos a homens mais velhos que muitas vezes as maltratavam, passarem a engravidar de dez em dez meses, escreveu ao Papa João Paulo II - fazendo chegar a carta por mão própria para evitar que a Secretaria de Estado do Vaticano a retivesse - dizendo-lhe que era preciso dar a pílula àquelas mulheres. Nunca recebeu resposta e a pílula passou a ser dada - o Papa não podia, obviamente, dizer-lhe que sim, mas como não lhe dissera que não, ela entendeu que ele consentira e decidiu ir para a frente.

De família burguesa rica, aos seis anos vira o pai ser levado pelo mar na praia de Ostende e enxertava nessa imagem a fé que depois tomaria conta dela. Na adolescência adorava roupas, festas, rapazes, mas aos vinte anos percebeu que queria outra coisa. Descobrira como Santo Agostinho que a medida do amor é amar sem medida. Tivera muitas vezes dúvidas e achava-se má pessoa; a prece, dizia, era a sua respiração: dava-lhe força para viver e punha-lhe música no coração. Dizia também que o dia da morte era o melhor dia da vida, mas, mesmo assim, temia o sofrimento da agonia. Morreu no seu sono, sem dar por isso.

José Cutileiro, IN MEMORIAM

Em: http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/434748

2 comentários:

Eduardo Santos disse...

Olá meus caros. Fico feliz por ver testemunhos como este da Irmã Emmanuelle, desconhecia a sua obra. Parabéns pelo trabalho e pelo espaço, não esmoreçam. Saudações amigas.

Anónimo disse...

Antes de mais, tenho de agradecer o comentário generoso e amigo feito pelo Eduardo Santos. Obrigada!
São estes testemunhos que me encantam! Que tornam Deus real. Nestes testemunhos de vida vejo como é possível ser um pedacinho de Deus, um pedacinho de AMOR.